terça-feira, 7 de novembro de 2023

MEA CULPA e desconforto constante

 Desde que voltei da França o desconforto faz parte dos meus dias. Voltei para a casa dos meus pais, com meu marido, que terminará o doutorado dentro de alguns meses. Essa decisão não partiu de nós, foi um pedido da minha mãe por meu pai estar trabalhando fora e meu irmão mais novo em intercambio. Ela não queria dormir sozinha tantos dias, e nos fez esse pedido. Racionalmente, pra nós dois seria bom pelo momento que vivemos e porque também tínhamos o plano de comprar um carro. Logo, poderíamos economizar no aluguel por alguns meses, PH escreve sua tese com calma e eu teria o escritório para organizar minha vida profissional. Além disso, temos Jimmy, o cachorro que agora está sozinho após a partida de seu pai e companheiro Willow. Jimmy, inclusive, tem demandado muitos cuidados visto que é um golden de 8 anos, alergias e ansiedade que precisa de atenção. Compramos o carro, e tudo esta caminhando bem na prática, recebemos a família do PH em casa pela primeira vez em quase 10 anos de relacionamento. Para isso, precisamos reparar vários problemas da casa, entre infiltrações antigas e novas, vazamentos, rachaduras, pintura da fachada, entre várias outras manutenções que foram sendo deixadas de lado ao longo do tempo que estive fora. A casa precisa urgentemente de cuidado. E eu fui essa pessoa, além de alugar um imóvel que vagou. Todas essas coisas precisam ser levadas adiante por alguém que disponha de tempo para tal. É fácil reclamar que as coisas estão ruins, mas para resolvê-las é preciso olhar com cuidado e acompanhar, não é simplesmente pagar alguém e acabou. Além de tudo isso, houve um outro caso grave que aconteceu, ainda bem que sem vítimas, que foi uma batida grave no carro da casa, que estava estacionado. O conserto, a pesquisa, idas e vindas das oficinas, tudo isso foi feita por nós dois, PH e eu. Também houve o aniversário de 80 anos da minha avó em outra cidade, aniversário de 1 ano da bebê da família também em outra cidade, entre outros eventos que foram viabilizados pelo nosso carro, uma vez que estávamos sem o carro da família. Estamos em novembro e desde julho deste ano muita coisa aconteceu. Descobri que vou ser tia, inclusive. E, por fim, meu pai teve um problema grave de coluna que o faz sentir uma dor descomunal que o inviabiliza de ir trabalhar. Mais uma vez, PH e eu o levamos no nosso carro ao hospital várias vezes e paramos nossa vida para colaborar. Num dia atípico minha avó precisou que alguém a levasse em casa e fomos nós que novamente o fizemos. Noutro dia, levamos um colchão que ela acabara de comprar até a casa dela. Compramos a TV, a recebemos, a levamos até a casa dela e a instalamos. Voltamos lá algumas vezes para resolver questões de áudio e do filtro de água, a pedido dela. 

Contudo, no meio de todo esse movimento não voltei a trabalhar. Não peguei novos projetos, nem embarquei para outra área, embora tenha sido sondada. Trabalhei no Hotel antes de viajar para ter mais dinheiro e poder pagar minhas despesas fora do Brasil. Mas, a experiência foi estressante e mal remunerada, coisa que descobri só depois. Cumpri bem minhas tarefas e deixei as portas abertas, porém me senti lesada depois por perceber que fui extremamente sub remunerada... Agora, novembro, a dois meses do fim do ano, a sensação de desconforto me persegue. Me sinto inútil, me sinto incomodando, me sinto fingindo que está tudo bem, fingindo que gosto da minha situação. Mas estou psicologicamente muito abalada. Às vezes acho que deveria estar tomando algum remédio que me tirasse essa sensação ruim do peito, algo que me dopasse da realidade. Ainda estou sem plano de saúde porque sinto que é mais um sinônimo de "folgada" que meus pais paguem. Não queria abandonar minha carreira como arquiteta que nem começou direito e me deu muito trabalho construí-la. Mas também sei que nunca amei essa área de atuação, o mercado de trabalho convencional de projetos de interiores etc. A pesquisa me agrada, sempre gostei de estudar, mas não tenho forças pra encarar outro processo de mestrado que sei que não tenho um currículo competitivo. Andei pensando em abrir um negócio relacionado a comida em um dos imóveis dos meus pais. Aproveitar para criar algo de família, que futuramente poderia dar frutos pra mim e meus irmãos de alguma maneira.

Embora não pareça, passo meus dias lutando contra esse sentimento ruim de inutilidade. Minha cabeça está uma bagunça, mas estou tentando ao máximo não me afogar nessa culpa toda. É uma batalha interna que ninguém enxerga, até mesmo porque eu não permito. Prefiro que pensem que sou folgada e que não gosto de trabalhar, como sei que boa parte das pessoas acha, do que verem tantas fraquezas em uma pessoa de 31 anos. Sinto que estou em outro patamar da batalha interna, mas ainda não vejo com nitidez uma luz no fim do túnel. Não, não está tudo bem. Mas vai ficar.

Sobre o Mea Culpa do título, quero me referir a minha mãe. Relendo o último texto senti uma mágoa da minha parte em relação à minha mãe que hoje percebi ser injusta. A vida da minha mãe não foi fácil. Finalmente, agora, já aposentada, ela é valorizada no trabalho e sua opinião é altamente respeitada. A família que é dona das empresas que ela cuida financeiramente tem nela um porto seguro, alguém de extrema confiança. Ela tem todo o direito de sentir gratidão e de se sentir bem no trabalho. Em casa, sua vida de esposa do meu pai não é fácil. Ele não cozinha, não limpa a casa, não faz compras, não faz nem café (raríssimas exceções). Ela então tem essa jornada dupla. Além disso, ele usufrui todos os privilégios de ser homem branco meia idade. Machista no casamento. Então é muito injusto que eu sinta mágoa por ela preferir estar no trabalho do que em casa. Outra coisa é a maternidade, assunto que sei pouco de sua parte. Eu fui a primeira a nascer, não fui planejada, e quando me descobriram minha mãe disse claramente e para todos ouvirem que queria que eu fosse menino. Mas, eu não era. Era menina. E quando descobri isso, que não faz muito tempo, notei que entendi muita coisa da minha infância que eu não fazia ideia. Eu não era próxima à minha mãe, então principalmente nas questões femininas eu não contava para ela. Eu escondia, pesquisava do jeito que dava, não queria compartilhar com ela, sempre senti que essas coisas de meninas eram fraquezas e portanto eu deveria fingir que elas não existiam. Felizmente sempre tive amigos, tinha minha avó Lica, minha prima Melyssa e sempre fui muito curiosa em buscar essas informações do meu jeito. Mas é curioso notar como esse distanciamento da minha mãe nessas questões sempre foi algo muito presente na minha infância e adolescência. Sempre me senti estranha por isso e me culpava, mas muito recentemente entendi que não devo me culpar. Todo o curso das coisas levou a essa realidade. Também nunca fui carinhosa, etc etc etc. Enfim, isso daria um livro. Ou vários. rs Fato é que talvez minha mãe nunca foi perguntava se ela queria ter filhos e quando. Ela simplesmente teve três. Depois de mim veio o Roger, que segundo eles foi "planejado", mas de novo: não sei se minha mãe queria realmente ter outro filho em um intervalo tão pequeno. Fico imaginando como foi difícil para ela. No terceiro, Antonio, ela diz que não queria mais, que teve porque meu pai insistiu (...). E, de novo, isso diz tanta coisa... Eu lembro que eu não queria outro irmão também, mas me pareceu naquele momento, pensando agora, que não importava a minha opinião ou a opinião da minha mãe, a sociedade já havia tomado essa decisão por nós. Quando nasceu Antonio, eu cuidei muito dele, amava muito aquela mini pessoa. Mas, todos carregamos tantos traumas que sequer identificamos... É muito complexo, mas precisamos falar sobre esses assuntos. E falar sobre eles me faz aprofundar e isso inocenta pessoas. Isso me fez fazer as pazes com minha mãe e, sem ela ter dito uma palavra diretamente sobre tudo isso, eu pude enfim enxergar. 

Me desculpa, mãe. 

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