meu quarto na casa que moro com meus pais e um de meus irmãos tem conexão com a copa. A copa é onde fica a guitarra do meu pai, uma caixa de som, e bem integrado, vem a sala, onde tem um violão e um gajon que foi meu pai mesmo quem fez. Todos os outros quartos da casa são um pouco afastados desse "centro" da casa, só o meu fica aqui (por sinal, de onde escrevo isto neste momento). Todos os dias (ou quase) meu pai toca na copa, às vezes cantamos com ele, mas muitas vezes ele toca e canta sozinho mesmo. E fica ali, no momento dele, tranquilo, tocando guitarra, ou violão e cantando junto. E esta é a trilha sonora do meu quarto. Eu poderia fechar a porta pra continuar vendo as coisas que faço no computador, mas em geral eu mantenho aberta e gosto de ouvir. Tão natural quanto a luz do dia (última música que ele estava cantando agora) é a música dele me acompanhar no meu quarto. Aos finais de semana ele costuma me acordar com o som do violão ou da guitarra. Minha porta é oca, tem gretas grandes com o piso, então eu sempre acordo. Mas não me lembro de ter reclamado... Escuto minha mãe pedindo pra ele parar pq eu estou dormindo ao lado (na verdade sei que ela o pede pra parar pq ela não gosta de ouvir mesmo, rs), dou uma risadinha só pra mim e sei que ele não vai parar, vai tentar diminuir rs, mas o instrumento é aquilo, não fica mais baixo... Enfim, já faz parte. Se não tem esse som acompanhando, está silêncio demais. E aí sim me incomodo.
Arquitetonicamente ainda, esta casa é da minha avó, foi onde meu pai cresceu e onde eu estive grande parte da minha vida. Na casa da minha avó Lica, dormíamos com ela quando foi ficando mais velha e não podia mais estar sozinha durante as noites. E ela nos tratava, a mim e meus irmãos, feito rainha e reis. no frio colocava o chuveiriho quentinho na pia em uma gambiarra que sempre funcionou para que pela manhã, antes de irmos para casa, lavassemos o rosto e escovássemos os dentes com água quentinha... a água fria cortante do frio de ouro preto ela tinha a preocupação de evitar que precisássemos lidar. Detalhes... que valem ouro pra quem aprecia ver a vida através deles. Voltando para a questão espacial, o meu quarto hoje em dia é o quarto que minha avó chamava de "quarto de costura", onde ela guardava o material de costurar, tesouras diversas, linhas, agulhas, moldes, revistas antigas, a máquina de costura, retalhos muitos, outra mesa grande, armários e prateleiras cheias de coisas diversas, armarinhos, prateleiras, e uma cômoda com os santinhos e orações dela. Por sinal, esta cômoda ficava exatamente onde estou sentada, escrevendo em meu notebook sobre minha mesa. Lembro de lê-la rezando aqui, acendendo velas, mexia nos seus grampos e o pente sempre tinha uns cabelos, que eu tirava às vezes. Aqui aprendi a usar a máquina de costura dela. Pegava por vezes a tesoura de picotar que ela tinha na gaveta da mesa grande que tinha aqui do lado. Lembro tambem que atrás da porta tinha um porta sapatos pendurado na porta, e lembro dos sapatos dela, mulher alta, tinha os pés grandes, devia calçar 39, se não me engano. Aqui também tinha uma cama. Tinha lugar pra tudo isso. Era o cantinho da casa que, parando agora para pensar, mais tem a personalidade dela, os passatempos, as coisas que ela sabia fazer, os hábitos. Recordações. E hoje este é o meu quarto. Hoje só tenho aqui uma cama de casal antiga dos meus pais, uma mesinha lateral que eu reformei e pintei, um guarda-roupa grande até demais, uma cadeira e minha mesa de muitos anos, que tanto gosto. E olha que hoje o quarto é maior porque ampliamos cerva de 1 metro da varanda que fazia uma curva. E antes parecia caber tanta coisa mais.... e era menor... tudo era menor, tudo era mais simples. E eu também era menor, então em minha memória tudo parecia gigante, espaçoso, e também porque ali tinha e tem muita memória. Coisas que os centímetros não são capazes de compensar, porque além da minha memória visual espacial, tem a parcela de saudade e imaginação que torna tudo mais incrível ainda que menor e mais humilde. Que saudades da minha avó, de ser criança, adolescente e vir pra cá sempre que me desentendia com meus pais. E era sempre recebida pela minha avó por quem sou apaixonada e espero um dia a encontrar em algum lugar. Às vezes sonho com ela, os primeiros eram meio nublados pq eu não entendia o que se passava, mas os mais recentes tem aquecido muito meu coração. São mais claros pra mim e mais cristalinos.
Hoje moramos na casa dela e neste momento exato meu pai está tocando Handy man, James Taylor. e essa poesia que ele carrega em forma de música eu carrego de tantas maneiras... música é uma delas, mas muitas outras também. Minha sensibilidade é muito facilmente perceptível. Isso me faz lembrar uma série que vi recentemente, no início da quarentena, chamada Anne with an E, ainda pretendo escrever exclusivamente sobre ela, porque até hoje não consigo lembrar de nada relacionado a ela sem chorar, e não é pouco... A série me acessou em locais que nem eu sabia que seriam tão intensos e tão delicados e tristes e inconformados e lindos e, como um sopro, eu não consigo mais me desvencilhar de Anne... mas ainda escreverei um texto só sobre o que foi assistir a esta obra prima, a meu ver, tão potente e tão delicada ao mesmo tempo.
Por hoje é só, espero vir aqui mais vezes, porque aqui me sinto totalmente livre e sei que posso deixar as palavras fluírem sem medo, sem julgamentos.
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