quarta-feira, 8 de maio de 2024

Carta para o meu pai

 Pai, escrevo essa carta com dor na alma. Também dói todo o corpo. Quero que você saiba como fiquei depois de descobrir mais uma traição sua - a pior de todas. No sábado só consegui gritar, berrar, bater o pé no chão e a mão na mesa da copa em busca de expulsar os sentimentos horríveis que estão dentro de mim. Inocentemente pensei que isso me libertaria. Mas, não. Eram sentimentos diferentes de todos que já senti, mas não completamente novo...

Pela manhã passei a acordar bem, tranquila, vou até o Jimmy em busca de tentar manter a serotonina no sangue, volto pra casa e passo a não conseguir mais me concentrar no meu trabalho. Tenho prazo, que já está apertado. Tento fazer todo o meu ritual de organizar a mesa, colocar alguma coisa pra tocar no fone de ouvido e escrever uma lista do que preciso fazer hoje no projeto. 

Só que... logo minha cabeça vai para longe, tudo me distrai, começo a pensar no pouco ou nada que nós (eu, Roger, Antonio e minha mãe) valemos pra você... 

Ok, nunca fomos uma família amorosa. Talvez um dia sim, mas isso já faz tanto tempo, eu sinceramente não me lembro... Tanto que nem gosto de abraço humano, só de abraço canino. Antonio, com sua personalidade, tentou trazer um pouco disso, é verdade, mas isso só é parte dele. Nossa forma de demonstrar amor está no Respeito, na Boa Vontade, na Prontidão, nas Ações, na Confiança na palavra... E isso é suficiente pra mim, é só o que eu tenho. É só ao que me apego....

Eu lembro que desde as primeiras traições, que vieram em dose dupla, e eu já tinha idade pra entender.... desde aquela época minha mãe mudou. Ficou mais triste na vida e com você ficou mais dura. Eu lembro de muitas brigas entre meus pais, e na época eu ainda tinha vergonha de que as pessoas ouvissem os gritos, eu tinha uns 15, 16 anos, acho. 

Você já chegou a bater na minha mãe e quando ia fazer de novo eu entrei na frente, aí você jogou nós duas no chão. Não me machuquei muito, mas voei no chão, e a minha mãe se machucou. Depois dessa vez não lembro disso acontecer de novo, lembro de você fechar o punho e ameaçar, mas não chegou mais a fazer, não pelo menos na minha frente. E eu, por instinto, sempre me meti. Sempre fui assim. Ainda não entendia nada de direito das mulheres, de relacionamento saudável versus relacionamento tóxico, nada, não conhecia nada, e mesmo assim eu me metia. Coragem nunca me faltou. Mas com isso os traumas começaram a nascer.

Então eu fui crescendo, estudando, aprendendo, e, curiosa, vasculhando a internet descobrindo termos, como abuso físico, abuso sexual, abuso psicológico, dependência emocional, família funcional e disfuncional, narcisismo, manipulação, e muitas outras coisas que podem acontecer em qualquer relacionamento humano, não só amoroso. 

Então eu comecei a dar nomes às coisas que via acontecerem a minha volta. Minha mãe se tornou insegura no relacionamento por causa dos traumas que você a fez criar na promessa de que mudaria. 

Aí houve uma lacuna, que não me lembro muito, porque comecei a viver meus próprios relacionamentos e experienciar coisas boas/ótimas e coisas ruins/horríveis. Jovem adulta descobrindo o mundo com um pouco mais de liberdade.

Fato é que já desde a época da primeira e dupla traição em Congonhas, eu tinha quebrado a imagem de pai herói que a gente costuma criar. Tinha ido por água abaixo um pouco da admiração... mas pensei naquilo como um erro grave que, quem sabe, poderia ser superado. Só que o que não contam sobre perdoar um erro desses é o que é transformado pra sempre por causa dele. Tudo mudou em volta, você já tinha comido a maçã, minha mãe já tinha visto do que você era capaz e eu, como filha, sangue do seu sangue, vi uma das bases que julguei mais fortes, se quebrar. Caráter não se compra em qualquer esquina. Ir à igreja aos domingos deveria ser sinônimo de uma pessoa boa, né? Ledo engano... Lembra que falei que na minha mente alguns dos elos que uniam nossa família eram o Respeito, a Verdade e a Confiança? Ali ficou marcado que não era bem assim. A partir dali, passamos com muita dificuldade a tentar costurar o que foi rasgado, mas, sabemos, nunca mais fica igual era antes.

Em Harry Potter, o vilão Voldemort, descobre uma forma de se tornar imortal, que é dividindo sua alma em 7 partes, essas partes são chamadas de Horcruxes. Cada horcruxe foi escondida em um objeto importante para o Voldemort ao longo da vida. Assim, o Harry, pra conseguir destruir de vez o vilão, precisa ir atrás de cada horcruxe e destruí-la. E a cada uma que ele vai destruindo, Voldemort fica mais fraco, mas ainda vive... até o último fio. 

Quando houve o rolo com a "Sara do Patrick" eu me fingi de morta várias vezes. Me faço de idiota às vezes, e o grande problema é quando as pessoas realmente me subestimam... Mas eu percebia que existia alguma coisa ali, e que minha mãe estava desesperada. E você, num abuso psicológico e manipulação nítidos, tentando inverter tudo, dizendo que minha mãe tinha caso com Sr Jarbas, fantasiando que ela ia pra quartos do hotel com ele, chamava ela de vagabunda, de piranha... e falava que com a Sara era amizade, mas cansava de falar que não existia amizade entre homem e mulher. 

Isso foi minando a saúde mental da minha mãe. Você tentava (até hoje faz) controlar a roupa que ela usava, as visitas que fazia (faz) à casa da minha avó, e da minha tia... Mil outras coisas. Isso tem nome, se chama Abuso Psicológico! Era claro como a luz do sol, e você pode consultar qualquer psicóloga, pesquisar em qualquer site. A verdade é que minha mãe sempre aguentou muito e ainda tentava ser simpática. É óbvio que os sinais começariam a aparecer. O nervosismo, as dores no ombro, as dores de cabeça cada vez mais fortes e frequentes, a impaciência e, por fim, o zumbido ininterrupto que ela tem no ouvido. 

Eu tenho certeza que se essa carta fosse uma descrição da vida da sua mãe você também gostaria muito que ela se libertasse disso. 

Por muito tempo eu tentei diferenciar as duas ideias: de ser um bom pai e de ser um bom marido. Pensava: meu pai é um péssimo marido, mas é um bom pai. Depois de muito matutar sobre isso, conversar com pessoas, ler, entendi que não é possível separar as duas coisas. E a prova disso é o momento atual que nós estamos. É muito duro ver como a gente não vale na-da pra você. 

Você não pergunta como minha mãe está, se ela se sente bem, você não dá um sinal de que se importa com a vontade dela, você sequer fala "por favor", "obrigado" quando ela faz uma comida. Vc não elogia com frequência, vc não faz a menor questão de que ela tente recuperar a segurança um dia em relação a você. Você apaga a minha mãe. Perto de vc, ela é uma sombra. E eu queria que ela fosse luz e que ela brilhasse, porque é assim que todos a enxergamos.

Essa situação que aconteceu agora acabou comigo, nas primeiras horas eu não tinha forças pra te confrontar. Perdi o graça, perdi o chão. Afinal, que você não dá a mínima pra minha mãe eu já sabia... mas aí você comprovou que está pouco de ferrando também pra nós, os filhos. Vc é frio feito gelo. Vc não gosta de ninguém, vc mente, vc tem falas que agridem a honra de qualquer mulher, inclusive eu. Eu poderia ser uma das "meninas que trabalham no escritório" com Waguinho que vc incentivava ele a "comer". E vc tratando mulher como um lixo, um pedaço de carne, um nada. Desrespeito é  pouco pra chamar isso... Duro descobrir tantos pobres do seu pai, mesmo já sabendo de alguns e não se surpreendendo tanto mais. Vc desejou parabéns para a Sara do Patrick "do nada" há poucos dias. Você tem ideia que nem o aniversário dos seus filhos vc lembra?? 

Chegamos agora ao trauma mais recente. Como tudo na vida, existe um contexto.
Eu demorei a querer descobrir a verdade. Confesso que já vejo a desconfiança da minha mãe há muito tempo. O incômodo, o desconforto que ela sentia com a relação de vc e da desgraçada era nítido. Aqui entra mais uma vez no que disse antes: a sua frieza com o incômodo daminha mãe... vc nunca pensou em parar... Pelo contrário, tudo foi escalando. Você não se importa com uma vírgula da minha mãe. É duro constatar a realidade, mas pior ainda é negar. 

Então, eu não queria pagar pra ver porque eu tinha certeza que descobriria algo. Tentava me convencer de que "não... nesse caso não. Não confio muito no meu pai, mas já consegui costurar um pouquinho a colcha da confiança, do respeito, do caráter desde as últimas vezes..." E também, por incrível que pareça, confiava em Laura. Na minha cabeça ela não deixaria ultrapassar o limite. Ela, que conviveu com comigo e meus irmãos. Que tantas vezes chorou no telefone com minha mãe, desabafando. E minha mãe sempre ouvindo e até sentindo as dores.

Quando Antonio me contou da foto que vc tirou de si mesmo pelado e da "coincidência" absoluta do horário com uma mensagem enviada e apagada a Laura... ali eu falei com Antonio que se eu descobrisse iria berrar aos 4 cantos, e arrebentar Laura... e vc conseguiria finalmente atingir o fundo do poço com a gente. Mas, ali, naquele momento, e vendo nos olhos da minha mãe o vazio e o desespero de estar em um casamento sozinha, sem um pingo de verdade ou confiança, eu tive certeza que eu ia descobrir o que eu mais temia. Eu sabia...

Quando li as mensagens, comecei a tremer, gravei um vídeo tremido que dá pra ler tudo, mas muito nervosa e querendo sair correndo dali. Peguei a moto, e fui tremendo mesmo até o hotel mostrar pra minha mãe. Depois peguei a moto e fui direto no hospital mostrar pro Antonio. Aí parece que deu um branco. Não lembro de muita coisa, só que não podia guardar esse câncer que já me corroía por dentro, que não era justo eu sentir aquilo sem ter feito mal algum pra ninguém. Liguei pra Tita e esbravejei todo o ódio que eu estava sentindo. Tive uns outros brancos, escrevi uma mensagem pra Laura. Antonio e minha mãe também escreveram. O pior é que enquanto minha mãe não sabia como agir, pq ela ficou apática, paralisada, eu só conseguia enxergar na minha frente vocês dois transando e falando aquelas sujeiras um para o outro, como dois animais imundos. E a gente assistindo ao horror. 

Citei os fatos anteriores e como eles me trouxeram à Luma de hoje, mas o atual é, de longe, o mais duro.

Meu sentimento hoje é de inconformismo com a realidade. Não estou aceitando que eu estou passando por isso, que isso aconteceu na minha família, e que vc teve a coragem de manter os encontros com os amigos em comum, a praia, a casa de uns e dos outros...

Depois de alguns dias refletindo, falando sozinha feito maluca, xingando sozinha, tendo crises, tremendo as mãos, as pernas, o olho esquerdo um dia, o direito o outro dia, sem foco, aérea, comecei a entender de fato o miserável que vc é nessa situação toda. Vc não se importa com ninguém (repeti muitas vezes isso ao longo do texto, né? pois é...). Eu sinto pena e desprezo. Mas o pior é que sou sangue do seu sangue, e por isso estou com nojo de mim, em pensar que posso ter algum traço da sua personalidade. Isso me faz querer ir pro lado de Willow, da minha avó Lica e do meu avô mais cedo. O quanto antes, pra parar de sentir tanta coisa ruim.

Tenho altos e baixos, sentimentos muito instáveis ao longo do dia. Coisa que nunca vivi. O dano psicológico não consigo mensurar. Não sei se consigo sair disso sozinha. É por isso que estou escrevendo. Quando fiz terapia, no final de 2020, não conseguia ser muito honesta com uma pessoa desconhecida, apenas falando. Então eu escrevia e levava meus textos nas sessões, e funcionou muito. Escrevo desde pequena... minha mãe já descobriu meus segredos de adolescente lendo as coisas que eu escrevia e guardava. Sou assim até hoje. A terapia ia bem até que o plano de saúde promoveu minha psicóloga a Coordenadora do Projeto e colocou outra no lugar. Aí não me adaptei e sinto falta até hoje... 

Eu falei acima que vc chegou ao fundo do poço. Mas, me equivoquei, quem chegou fui eu. Estou um caco, uma morta viva. Uma pobre coitada. Sentindo vergonha e nojo desde o dia que li aquelas sujeiras e que enfim tivemos a chance de juntar os pontos, a verdade veio à tona. Fico repetindo mil vezes pra mim mesma: "vc não é o que fizeram com vc", mas só o tempo vai mostrar que não sou mesmo. E vou lutar até o fim pra nunca fazer algo assim, e vou me orgulhar se conseguir ser diferente do meu pai no quesito Responsabilidade Afetiva. 

Vc não precisa de mim pra nada, pai. Mas, vc precisa urgentemente de terapia. Precisa se analisar de fora um pouco. Vc precisa de um freio, precisa de calma, precisa de paz. Eu te enxergo como um pobre coitado também. Um miserável, isolado, alguém que é capaz de qualquer coisa só pra satisfazer os próprios instintos. É quase irracional. O ser humano precisa olhar pra dentro, precisa aprender a ser humilde. Numa das nossas discussões em que eu falei que "não existe solução simples para problemas complexos" vc perguntou se eu queria te ensinar a viver, A resposta é que talvez vc precise, sim,  desesperadamente aprender a viver como um ser humano. HUMANO. Muita gente já foi machucada no caminho, já chega, não? 

Será que ainda dá tempo? Eu não sei se me sobraram muitas horcruxes, mas vc precisa começar a enxergar de verdade a dimensão e o alcance nas suas ações, na forma como elas afetam os outros. Definitivamente não é o Roger quem precisa de Deus, é você! Vc está vazio... Vc precisa se encher de alguma coisa boa, descobrir o significado da palavra Empatia. Isso é o básico. 

De mim vc não precisa, mas vc precisa de muita coisa.

Por aqui eu cato meus cacos junto com minha mãe e meus irmãos. Nós pelo menos temos uns aos outros. 

Só posso dizer que vou continuar lutando pra que eu nunca desista de mim mesma.  

quinta-feira, 2 de maio de 2024

2024 como uma bomba

 2 de maio de 2024: um dos dias mais difíceis da minha vida. me sinto envergonhada por algo que não fui eu quem fiz. sinto raiva, tristeza, vergonha, nojo... minha vontade é ir até a pessoa de despejar todos esses sentimentos confusos e cobrar uma explicação. ? mas, que explicação? não existe uma, só vai machucar mais. Caráter, respeito, decência, credibilidade, ombridade, admiração. foi embora tudo. ficou a exposição, o vexame, a indecência, o desrespeito. meu ego ferido porque quero fingir que nada disso aconteceu, fingir que não estou passando por essa situação vexatória, fingir que não é comigo, que é só com os outros que isso acontece.

algo em mim quer ir lá cobrar meu pai, algo diz que eu preciso me segurar. mas eu estou transbordando, não consigo fazer nada, não consigo me concentrar em nada. me falta        ar.