domingo, 3 de maio de 2020

sobre minha mãe

por isso tudo o que eu não quero é punir a minha mãe por esse entendimento distorcido e por se culpar por tudo e carregar sozinha a dupla jornada. minha tristeza é justamente pela impotência de fazê-la enxergar que ela não deveria carregar isso. que ela deveria responsabilizar realmente  o filho mais novo e não só limpar mau feito por 10 minutos e pronto, a consciência dele foi aliviada. a casa? a casa depois ela volta lá e faz tudo de novo, só que dessa vez bem feito. 

muito difícil essa sociedade. 

"Você deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado" ?

hoje tivemos um conflito em casa, eu, meu irmão e minha mãe. ela não era o cerne da questão, minhas provocações eram diretamente para o meu irmão mais novo que, embora pergunte o que pode fazer em relação à limpeza da casa, o faz sempre de qualquer jeito. Sem a dedicação que eu e minha mãe fazemos. Ele faz sempre da mesma forma, não importa o quê, não se dá ao trabalho de retirar os móveis para varrer, limpar por baixo, enfim, ele faz, a meu ver, pra aliviar a consciência de deixar tudo por minha conta e da minha mãe. Infelizmente, o que ele faz está de bom tamanho para a minha mãe, mas eu vejo ainda como insuficiente. Hoje eu iniciei o conflito porque vejo sempre que eles tem conversas sussurradas pra que eu não ouça. Hoje isso aconteceu e eu já estava chateada por ver que a "ajuda" que ele deu na limpeza não durou 10 minutos e pronto, estava "feito". Ou seja, quem fez tudo na verdade foi minha mãe e ele saiu com a consciência tranquila de que a parte dele havia terminado. Eu já venho engolindo isso há dias. A minha parte, que me proponho a fazer por completo e com bastante qualidade estava apenas no começo. Então, percebo outras conversinhas deles, claramente com meu nome envolvido, mas que o objetivo era ser às escondidas. Relacionado ao fato de ir à farmácia comigo junto. Eles falavam algo como ir agora que daí depois não precisaria ir comigo. Aproveita e usa a desculpa de que vai pegar um sorvete para sobremesa. Quando confrontei, minha mãe disse que a questão era simplesmente o sorvete, que eu reclamaria de tal gasto. (?) Como se eu tivesse alguma moral pra obrigar alguém aqui em casa a comprar ou não alguma coisa. Isso nunca aconteceu com um sorvete. Minha mãe é boa com mentiras. Eu também sou, confesso. Mas, alguma coisa ali naquela conversa sussurrada me soou tristemente uma fingimento, uma falsidade que eu me senti acuada. E assim comecei a jogar no ar todas as questões que acho do Antonio. Acusei o machismo que existe aqui e obviamente fui invalidada. Mas não importa, não é algo que eu não espere, mas é algo que me cansa muito ultimamente. Uma discussão recorrente, cansativa, desgastante. Nesse conflito, expliquei que o problema não era minha mãe, e de fato não era. Mas, ela prefere pegar a responsabilidade da situação pra ela e começa a me acusar e a dizer que sempre que eu faço alguma coisa na casa, dia de faxina e tal, eu brigo. E que, segundo ela, eu brigo porque estou fazendo de má vontade a limpeza. Me sinto injustiçada porque eu realmente não faço isso como forma de reclamação da função. Realmente, e aqui eu juro que não é. Ela encara assim e acusa minha "ajuda" de escomungada. E que eu faço inferno sempre que é o dia de limpar e etc. E sim, quando é dia de limpar vemos as tarefas claramente definidas na casa. Minha mãe se desdobra pra fazer tudo e o resto finge que "ajuda", pra aliviar a consciência. No fim ela é sobrecarregada, porque trabalha muito dentro e fora de casa. Dupla jornada, tripla. Eu faço o que posso pra tomar responsabilidade de algumas funções pra tentar diminuir a carga sobre ela, só que ao contrário do que vejo Antônio fazendo, eu dou o meu melhor pra ficar bem feito porque SEI que se eu não fizer, ela provavelmente não vai reclamar e vai lá fazer do jeito que ela acha melhor. Conclusão: de todo jeito ela precisou fazer e foi sobrecarregada da MESMA FORMA, a única diferença é que a minha consciência estaria tranquila, injustamente. É isso que o Antonio faz, esse cinismo, esse tampar o sol com a peneira é o que me incomoda e eu certamente não sou a pessoa que vai deixar isso acontecer calada. Não faz meu perfil, e nunca fez. Pra mim é um mau caratismo e uma conveniência que não faz parte do que eu sou. Antonio claramente se aproveita da obrigação que minha mãe acha que ela tem enquanto mulher, mãe de família. E, a meu ver, ele não é mais criança e não tem mais que ser anestesiado em toda essa situação, até porque ele conhece as questões sociais em que tudo isso está inserido. A minha maneira de atravessar um conflito em que eu sou agente ativo, é uma maneira combativa, reativa, emocionada. Eu choro quando estou com raiva. Ali, hoje, era uma mistura de raiva com desapontamento. Raiva de enxergar o cinismo do meu irmão e desapontamento por ser colocada em teste a minha atuação nas tarefas domésticas, coisa que não e meu intuito me livrar de ter de fazer. ORA, eu moro nesta casa, não estou trabalhando e atualmente nem estudando devido à quarentena. A nuance aqui é outra. Fui descreditada por me expressar chorando, como se eu quisesse emocionar alguém. Não, eu não quero. Só que eu SEMPRE fui assim, sempre choro ao expressar emoções fortes, seja ela qual for. E é só, não precisa ter dó, porque eu jamais me coloco nessa situação. Erroneamente, até. Mas, sim, de fato isso aparenta uma fragilidade minha. E tudo bem! O que é mais uma vez lamentável é entender essa situação como se eu usasse isso ao meu favor e assim, descreditasse tudo o que eu estava dizendo. Na minha casa, é proibido ter emoções, é proibido tudo o que é relacionado a demonstrar o lado humano. A única forma de expressão considerada honrada e digna é a força. Ter força, segurar o choro, manter o prumo sempre. Às vezes ser agressivo é permitido, mas depende de quem, dependendo de quem for também será imediatamente descreditado. No auge do conflito, minha mãe quis sair, pegou o carro de saiu correndo pra não precisar me ouvir mais, porque eu estava tirando a paz do ambiente. Na minha casa o certo é fingir que tudo está bem. Guardar os desconfortos pra si, cada um o seu. Evitar confrontos, debates. Nada pode ser melhorado. Tudo está perfeito. E eu não vejo assim e às vezes vejo importância em debater, em questionar. Só é uma pena que eu sempre confronto quando já estou no meu estopim. Minha mãe saiu pra um lado de carro, meu irmão pra outro de moto, e eu fiquei sozinha terminando de limpar o chão. Falei que eu ia sair de casa. Sei que essa é sim a solução, só que eu ainda não sei o que fazer, de que maneira sobreviver. Mas só assim eu terei paz porque minha forma de ver as relações entre pessoas é muito distinta da forma como eles vêem. Acho que todos meus esforços são à toa, infantis, porque no fim, já deu o tempo de eu sair de casa. E aí as relações aqui restarão como sempre foram. Minha mãe explorada, meu irmão mais novo fingindo que ajuda, meu pai cumprindo o papel de quem sempre teve uma mulher pra fazer todas as tarefas domésticas. No caso do meu pai, tenho tantos pareceres meus aqui sobre ele... Mas, ele cresceu realizando tarefas mais pesadas, de construção, capina, consertar coisas, manutenção nas casas. Ele resolve todas essas questões e apesar de não colaborar nada em casa, não finge que o faz e tem uma atuação marcante nesse outro lado. Compensa? Não sei, talvez não. Mas pode ser que sim. Já meu irmão mais novo (que é o único que também mora na casa dos meus pais) não faz nada disso, a não ser quando meu pai quase implora por uma ajuda em algo que ele não consegue fazer sozinho. O que tem sido raridade.
Foi triste ver que minha mãe resume tudo a isso a eu querer me livrar das tarefas. E assim, ela "resolve" o conflito se ausentando. Os sussurros com meu irmão agora devem ser sobre como eu sou temperamental e emocionada e enciumada. Uma pena, um desapontamento.
Percebo que sempre a melhor maneira é calar. Engolir o choro. Engolir o descontentamento. O silêncio é confortável. Mas sabem que por trás desse silêncio tem tanta coisa... tanta coisa estranha, alguns podres, exploração, abusos, coisas muito mais emocionadas que um choro de desabafo.
Eu sei que essa é uma forma de sobrevivência que eles encontraram, e o incômodo existe quando eu tento mudar alguma coisa nessa ordem estabelecida. Meu approach não é o ideal, eu sei, mas as coisas são como elas são. No mundo ideal uma conversa resolveria. No mundo real, essa conversa é uma piada.
Eu deveria aprender a ficar calada, e até fico às vezes, mas o talento pra fingir que TUDO vai bem, tudo legal não mora em mim. Não sou eu. E não vou criar um câncer em mim por esse hábito de fingir e de fingir que tudo vai bem, tudo legal. Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé, se acabaram com o seu carnaval?